Entrevistas

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“A idade avançada não é uma limitação. Ela é, ao contrário, uma libertação”
A primeira passagem do cineasta Cristiano Burlan pela Mostra aconteceu em 2006, com Corações Desertos, filme que retratava um casal na última noite de sua relação. Onze anos e quatro títulos selecionados para o evento depois, Burlan volta à Mostra com um outro casal que tem de lidar com o fim. Mas o fim que ronda os seus personagens agora não diz respeito ao amor, e sim à própria vida. Antes do Fim, protagonizado por Helena Ignez e Jean-Claude Bernardet, coloca em cena dois corpos que, sempre se reinventando, mostram que a velhice pode não ser implacável.
A impressão que eu tive vendo o filme é que ele nasceu da própria presença do Jean-Claude Bernardet na sua vida. Essa impressão tem sentido?
Faz sentido. Em todos os meus processos criativos, sinto que isso acontece não só com ele, mas com outros parceiros. A minha relação com os atores, nos filmes, é reflexo da parceria fora do cinema também.
Os corpos de Jean-Claude e da Helena Ignez têm uma presença não apenas forte, mas quase que definidora na tela - no sentido de que são esses corpos que contam a história. Como você, eles dois e a câmera chegaram a isso? Como se deu esse "entendimento"?
Todo corpo no cinema é paisagem, mas os corpos de Helena e Jean-Claude exibem narrativas profundas e intensas em cada traço, em cada marca do tempo. O que fizemos foi uma coreografia entre a minha câmera e eles, dançamos uma pulsão de vida e morte.
O que era a velhice para você antes desse filme e como você passou a vê-la depois desse processo?
É emocionante compreender o quanto a idade avançada não é uma limitação. Ela é, ao contrário, uma libertação. Eles são muito criativos e inventivos e sempre reinventam novas possibilidades de ser e estar no mundo. O filme me trouxe uma compreensão de que, muitas vezes, decidimos o rumo da vida dos idosos, sem nem consultá-los, e que muitas vezes os silenciamos em prisões sociais, dentro de casa. O filme me revelou a potência de vida que habita a todos e me revelou também que a escolha da morte pode ser uma resposta à obrigação de viver. A longevidade é o maior empreendimento da humanidade e é preciso compreender que, mais do que ser obrigado a viver, deve-se querer estar vivo.
Com o Jean-Claude você já trabalhou muito. Mas como foi filmar a Helena Ignez? O que ela representava para você?
Sempre nutri o desejo de filmar a Helena. Ela habita o meu imaginário cinematográfico, a minha paixão pelos filmes. Ela foi, é, e sempre será um mito. Mas o que pude conhecer foi a humanidade e inteireza dela. Helena é uma mulher à frente de seu tempo.
Para terminar, gostaria de saber o que você, que não para, está preparando agora?
Estou em processo de montagem do filme que encerra a Trilogia do Luto: Elegia de um Crime, sobre o assassinato da minha mãe. Estou finalizando ainda um documentário sobre o artista plástico Nelson Felix e a ficção O Projecionista. E vale ressaltar que a minha parceria com Helena e Jean-Claude agora se expande para o teatro. Em janeiro de 2018, vamos estrear a peça "Ringue".
Ana Paula Sousa